Devarim e a síndrome de Peter Pan
Ao ler o discurso de Moshê que marca o início do livro de Devarim, ele falando à geração dos israelitas que estava prestes a entrar na terra prometida, já tendo passado 39 anos e 11 meses de caminhada no deserto, vemos que o povo que saiu do Egito sofria da Síndrome de Peter Pan. Mas o que é isso?
A maioria das pessoas já ouviu falar do famoso personagem infantil, que era um menino que não queria crescer, e é exatamente isso que acontece a muitos até hoje. Crescem de tamanho, ganham pelos pelo corpo, barba, envelhecem fisicamente, mas permanecem como crianças da mamãe.
Dt 1:27,28 - Murmurastes nas vossas tendas e dissestes: Tem o SENHOR contra nós ódio; por isso, nos tirou da terra do Egito para nos entregar nas mãos dos amorreus e destruir-nos. Para onde subiremos? Nossos irmãos fizeram com que se derretesse o nosso coração...
Isso diziam no episódio dos espias.
- Ah! Deus tem ódio da gente, por isso nos tirou do Egito... será? Não foi Israel quem clamava por um libertador? Não eram eles mesmos quem queriam sair do Egito? (Êx 2:23-25)
O problema é que Israel queria sim a liberdade, mas como boas crianças, queriam que ela viesse sem que fosse necessário eles batalharem por isso. Para crescermos a gente precisa enfrentar desafios, pois são eles que nos fortalecem, nos fazem sentir que sim, somos capazes.
- Nossos irmãos fizeram com que se derretesse o nosso coração, dizendo que tinham filhos de gigantes ali, ... ai que medo! Os que não querem crescer, que vivem debaixo da barra da saia da mamãe, veem gigantes em tudo. São como os meninos que vão para o primeiro dia de escola. É desafiador soltar a mão da mãe e entrar num mundo novo, cheio de “gigantes” e por isso muitas crianças choram. Os desafiadores ficam ansiosos pelo primeiro dia de aula, para explorar algo novo, crescer.
É, foi por conta dessa meninice que o Eterno os puniu e os fez perambular por 40 anos pelo deserto e apenas Josué e Calebe, os desafiadores, crescidos, foram os únicos daquela geração que entraram na terra prometida. (Dt 1: 34-38)
Seguindo no texto da parashah vemos:
Dt 1:41-43 Então, respondestes e me dissestes: Pecamos contra o SENHOR; nós subiremos e pelejaremos, segundo tudo o que nos ordenou o SENHOR, nosso Deus... Disse-me o SENHOR: Dize-lhes: Não subais, nem pelejeis, pois não estou no meio de vós, para que não sejais derrotados diante dos vossos inimigos. Assim vos falei, e não escutastes; antes, fostes rebeldes às ordens do SENHOR e, presunçosos, subistes às montanhas.
Outra característica de crianças que não querem crescer é que não sabem ouvir um NÃO. A princípio, reconheceram que pecaram e disseram que subiriam, mas aí o pai diz: agora não faça mais, não quero, e a criança teimosa vai e faz assim mesmo, e se arrebenta. Quantos adultos não são assim até hoje?
Quando é para fazer, não faz, depois inventa de querer, só que aí lhes é dito: não faça! E eles, presunçosos, vão lá e fazem e isso é certeza, vai dar errado!
Dt 1:45 - Tornastes-vos, pois, e chorastes perante o SENHOR, porém o SENHOR não vos ouviu, não inclinou os ouvidos a vós outros.
Depois de ter perdido, lá volta a criança que não quer crescer para o papai, chorando, mas o pai, querendo lhes ensinar uma boa lição, se vira e não dá ouvidos ao filho chorão.
Aqui, uma lição aos pais que não deixam seus filhos crescerem. Há muitos, muitos pais que não suportam ver o filho chorar, e nessa hora, ficam ali, bonzinhos, e NÃO DEIXAM OS FILHOS CRESCEREM. Seus filhos não podem ser magoados, não podem ser corrigidos, não podem sofrer punição. Daí lá vai o pai (ou principalmente a mãe) em defesa do bebezinho, que muitas vezes já tem barba, cabelos brancos, etc... só não tem é maturidade.
Entendam amigos, quando nascemos, existe algo chamado cordão umbilical, que é cortado na hora do parto. O bebê nasce e chora, porque saiu do seu “pequeno paraíso” que é o útero da mãe. Depois, ele precisa CRESCER.
Não se aprende a andar de bicicleta se não levar uns tombos. Tá certo, primeiro vem a bicicleta com aquelas rodinhas extras, pra ajudar a equilibrar, mas você não pode esperar que seus filhos, adultos, continuem usando a bicicleta com rodinhas extras. Ele precisa aprender a se equilibrar SOZINHO.
Além de tudo isso, há algo no princípio da criação que precisamos aprender, apesar de que deveria ser óbvio.
Gn 2:24,25 - Portanto, deixará o varão o seu pai e a sua mãe e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne. E ambos estavam nus, o homem e a sua mulher; e não se envergonhavam.
Quando casamos, é preciso que nossos pais (de novo, principalmente as mães) permitam que saiamos de casa, e definitivamente CORTEMOS O CORDÃO UMBILICAL. Não dá pra um jovem casal se unir, com a mãe dando palpite todo dia.
Quando o texto diz que ambos estavam nus e não se envergonhavam, vá além do óbvio. Entenda que o jovem casal estava sozinho, iriam aprender juntos, iriam acertar e errar juntos, e isso os faria crescer, sem se envergonhar um do outro.
Na fé judaica, quando os nossos “bebês” atingem treze anos, e fazem seu Bar Mitsvah, o pai diz: “Bendito sejas, que me isentaste da responsabilidade deste.” Entendam pais, a partir daquele momento, já é hora de seu filho ser capaz de assumir suas próprias responsabilidades. Acredite você ou não, aquele bebezinho que saiu do seu ventre já é capaz de discernir entre o certo e o errado, então DEIXE ELE ESCOLHER SEU PRÓPRIO CAMINHO. Torça para ele acertar, torça muito, mas se ele errar, permita-lhe aprender com os erros. Só assim, ele vai adquirir maturidade. Caso contrário, porquê fazemos “Bar Mitsvah”? Porque casamos? Se for pra continuar a vida inteira chorando nos braços da mamãe, que nos protegerá de tudo, é melhor não casar, não sair de casa e continuar esperando que a mamãe traga leitinho na cama pro bebezão.
Aceite errar, não ache que Deus tem ódio de você, por Ele ter te tirado do Egito... não ache que seus irmãos fazem derreter seu coraçãozinho, quando dizem que sim, no mundo há gigantes que precisam ser enfrentados. Não queira voltar para o Egito (ou para debaixo da saia da mamãe). Aceite que eventualmente, o Eterno vai te permitir sentir o gosto amargo da derrota, e vai te dar as costas, mas isso te fará crescer. Porque o Peter Pan, o menino que nunca cresce, só existe nas historinhas da Disney.
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